sexta-feira, 6 de março de 2009

Deu no Jornal

ARTE E ARTESANATO NO VALE DO JEQUITINHONHA
O Ação de amanhã, às 7h40, aborda os 25 anos do Mãos de Minas – organização não-governamental que investe no artesanato produzido no Vale do Jequitinhonha. A iniciativa do projeto representa para boa parte dos moradores da região a possibilidade de inserção no mercado de trabalho e melhoria na qualidade de vida. O apresentador Serginho Groisman conversa com Tânia Machado, diretora da instituição, que lembra como o projeto vem se desenvolvendo ao longo dos anos e explica as atividades que fazem parte dos serviços prestados. Na Rede Globo.

Discutindo Literatura - Edição 14

FÊNIX DAS PALAVRAS





Sobre Clarice Lispector não tenho palavras... Como ela mesma dizia "... para o meu melhor pensamento não são encontradas palavras..."


Meu Deus! o que dizer sobre essa mulher?
Suas personagens, ainda hoje, são o retrato do nosso cotidiano - Mas sua habilidade com a escrita as transformava de uma maneira surpreendente...



"Ela dizia que não era escritora profissional porque só escrevia quando tinha vontade. Não queria compromissos consigo mesma nem com os outros. Assim, mantinha sua liberdade. Felizmente, seu desejo de escrever era constante. Interrompido apenas entre uma obra e outra, quando se dava o tempo de morrer, ao finalizar um livro, e renascer, ao começar outro. Sobre a sua vida pessoal, ela diz, no romance Água Viva: “Eu não tenho enredo de vida? Sou inopinadamente fragmentária. Sou aos poucos. Minha história é viver. E não tenho medo do fracasso. Que o fracasso me aniquile, quero a glória de cair.”
Ler Clarice Lispector é uma aventura de risco. Nas vielas, esquinas e becos de seus escritos, pulsa uma intensidade arrebatadora capaz de levar o leitor a ficar frente a frente consigo mesmo. Trata-se de uma artista de alma insone, e quem respirou seu hálito nunca mais poderá dormir como antes.

Sua obra denota uma solidão absoluta. Pode-se ter a companhia de Clarice Lispector, mas ela jamais pisou a Terra em companhia de ninguém, a não ser a da aterradora sombra de si mesma e de sua consciência hiperdilatada. Ao leitor resta a perplexidade transformadora do contato com uma estranha que o conhece até a medula, que percorre os desvãos do mundo e do ser com uma destreza insuspeita para o limite humano, sem negar as asperezas do caminho, mas sem tombar jamais.

Quando se trata de Clarice Lispector, o caminho não tem volta, seja para o enunciador e suas criaturas, seja para o leitor incauto. O primeiro grande susto que ela promove é o do ponto de vista. Ao abrir um livro de sua autoria, descortina-se aos olhos de quem lê, no mínimo, uma perspectiva inusitada. Lispector quebra o eixo da percepção cotidiana e inaugura um prisma desconcertante. O mais espantoso: sem tratar de algo particularmente extravagante. O habitual desdobrase em transcendências surpreendentes e de tal grandeza, que tudo o que houve antes daquele momento de revelação fica sob suspeita.
Sob seu olhar agudo, o ínfimo parece cósmico; o silêncio, um estrondo. E não importa o quê. O aniversário de 89 anos de uma velha; uma patroa de classe média alta que finalmente adentra as dependências do próprio apartamento onde ficava a empregada demissionária; uma Joana traída; uma dona de casa andando de bonde que avista um cego mascando chiclete na rua;uma galinha fujona que frustra o almoço domingueiro de uma família de subúrbio; uma Sofia que provoca a sabedoria de um professor primário; uma nordestina que tenta a vida na cidade grande. Clarice busca um estremeção qualquer no cotidiano e o expande até a náusea."
Emoção latente
"Seus personagens, gente comum,às voltas com o dia-a-dia magro, sofrem a fissura de um imprevisto qualquer que os transtorna, crispando-os, desequilibrando-os. O que move esse desequilíbrio é a súbita revelação de algo fundamental que permanecia, até então, adormecido.
Uma revelação, uma epifania. Os agentes dessa epifania são igualmente banais: a breve descompostura da velha na solenidade de seu aniversário; a barata asquerosa que aparece súbita do armário nas dependências vazias do quarto de empregada; a gravidez repentina da amante secreta do marido; a galinha que foge, negando-se a ser o almoço da família; a menina que interrompe a aula, desafiando o professor cansado; a velha cartomante que incute na imigrante nordestina a consciência da própria tragédia e, simultaneamente, a esperança.
Os protagonistas das histórias de Clarice são compelidos, então, a uma dolorosa viagem introspectiva que resultará numa transformação íntima radical, de onde emergirão transformados, por vezes sem encontrar lugar “em seus próprios dias”.

A paixão é um elemento fundamental nesse processo de epifania – paixão em seus vários sentidos: de “sentimento ou emoção levados a um alto grau de intensidade, sobrepondo-se à lucidez e à razão”; de sofrimento; de amor ardente. As criaturas de Lispector vivem em estado crítico de sensibilidade e de urgência. Sentimentos de solidão, de abandono, de culpa, de júbilo e, sobretudo, de auto-enfrentamento promovem uma ruptura com a imagem que traziam de si e da realidade circundante, revelando a precariedade de sua condição, as carências e, muitas vezes, o que existe para além da falsa estabilidade do cotidiano.

Em sua obra, o narrador em primeira pessoa desnuda-se; o de terceira desnuda seus personagens até a caliça, e o fazem com a compaixão de quem domina a ciência da dor, de quem já desceu ou está descendo aos próprios infernos. Clarice revela o que há de realmente vivo sob a superfície do cotidiano. Seu olhar diabolicamente penetrante fez dela um dos maiores autores intimistas do século 20. A compreensão de sua obra é um esforço contínuo e cada vez mais instigante para estudiosos do mundo inteiro que se debruçam sobre seu mistério.
O instante-jáA escritura de Clarice Lispectoré uma mão poderosa que retém o instante e doma o tempo ao sabor dos caprichos da percepção subjetiva. Logo na primeira página deÁgua Viva, o narrador avisa: “Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante-já que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante-já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa”. Mais adiante, lê-se:“Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada. O que te direi? Te direi os instantes”.

Lispector domina o tempo mediante a captação do seu mais ínfimo fragmento: o instante. A “verdade inventada” do instante guarda na realidade a essência do todo que se fez imperceptível aos olhos baços que abarcam a sucessão convencional dos segundos. Tal captação é obsessiva na obra da autora. O segundo infinitesimal do é, dilatado por ela, ganha uma duração sobrenatural. O tempo real praticamente inexiste, o tempo psicológico é que vigora soberano."