Estive morta por alguns dias. Sim, eu morri. E renascer não é nada fácil. Requer força física e um outro tipo de força que não consigo caracterizar. Sair novamente da placenta é doloroso. Por que além de tudo já existe uma consciência, mesmo que isso não signifique muita coisa.
Mas é estranho recomeçar. Reaprender as palavras, com suas formas e sons e significados dúbios. Mas a vida é dúbia, por que não seriam as palavras? Abrir os olhos e tentar enxergar além da bruma que estamos envoltos. Talvez dar o segundo passo seja mais difícil que o primeiro, porque evidentemente você já quebrou a barreira, e agora, não há um obstáculo visível ao qual tenha que transpor. É simplesmente andar. E andar pode ser um dos grandes problemas da humanidade. É tão mais fácil ficar ali parado, sem se movimentar. Esperando qualquer coisa, até mesmo Godot. Mas alí, sem dor, talvez sem amor. Inóspito. Paralisado. Se alimentando do nada, é... se enchendo do tudo que forma o nada. E sem pensar, porque o pensar é tão infeliz. E pensando bem, as coisas mais dolorosas e as mais felizes são invisíveis aos olhos. Eu por exemplo, às vezes me sinto tão feliz por estar amando. Mas nunca consegui tocar no amor, eu apenas sinto. É uma sensação boa, uma falta de ar. E dizem que quando estamos com falta de ar pode ser algum problema no coração. Eu nunca consegui tocar na minha falta de ar e sim, sempre que sinto é um problema no coração. E não existe um comprimido para falta de ar, talvez uma ação. Respiração boca a boca pode ser uma boa solução.
E quando a falta de ar vai embora é uma dor tão profunda, não sei onde. Alguns dizem que é no coração, outros dizem que é na alma. E ouvi dizer que o dorflex pode curar as dores musculares, sendo assim, o coração que é músculo está a salvo. Mas e a alma que não é músculo, se cura com o quê? Se eu nem mesmo posso tocá-la.
Então, talvez fosse interessante ficar alí parado mesmo. Sem se movimentar. Assim talvez, eu não sentisse nem felicidade, nem dor. Por que você pode ter certeza, a felicidade sempre vem acompanhada da dor. Como a noite que vem sempre depois do dia. É clichê, eu sei. Mas é verdade. E o amanhecer é sempre um recomeço. Doloroso. Por que abandonar o ventre é sempre muito perigoso. Mas enfim, eu adoro correr perigo.