sexta-feira, 25 de março de 2011

“O Preconceito é filho da Ignorância”

“O PRECONCEITO É FILHO DA IGNORÂNCIA”

Há algum tempo, postei um texto no meu blog sobre minha concepção de “poder”. E, ainda hoje, reafirmo minha opinião de que quem detém a informação, o conhecimento, o saber, tem o poder. Sendo assim, o indivíduo que acumula conhecimento em qualquer que seja a área de atuação, tem capacidade de se destacar em relação aos seus pares.
O preconceito encontrado em todas as partes do mundo está sempre acompanhado de ações discriminatórias contra o indivíduo e/ou grupo, fato esse que nos remete à intolerância racial, religiosa, entre tantas outras maneiras repulsivas de enxergar a diferença.
Quando li a frase “o preconceito é filho da ignorância”, do escritor e filósofo inglês William Hazlitt, partilhei imediatamente do seu pensamento. A disseminação do preconceito nos leva à generalização superficial e pejorativa, mais conhecida como estereótipo.
Poderia me alongar para exemplificar as várias formas de preconceitos existentes, mas prefiro me aproximar da minha realidade, da realidade vivida pelo candomblé, que até hoje experimenta esse preconceito.
Ontem, experimentei efetivamente, pela primeira vez, o preconceito racial e religioso. O fato me deixou com um gosto de indignação e revolta. E definitivamente, não podemos aceitar calados a agressões verbais e coerção da liberdade humana.  
Sou candomblecista, feita no santo, no terreiro Lunzo Atim Nzaze Iya Omim, que funciona há mais de 20 anos sob a direção da Yalorixá Mikayanjá e do Babalorixá Orogin. Sou filha de Angorô e Oxum e tenho orgulho da minha religião e um imenso respeito pelos meus zeladores, que, com amor, axé, humildade e seriedade, nos transmitem o conhecimento, a sabedoria e a evolução espiritual. E mais do que isto, nos ensinam a respeitar todas as religiões.
Sendo mais objetiva, ontem, 24 de março, o Ogan Alex, a Yalorixá Mikayanjá, o Babalorixá Orogin e eu fomos à casa de sua filha carnal, Juliana Lana, e do seu marido, Thiago. Estávamos cantando algumas canções do candomblé e conversando (vale lembrar, que ainda não eram 22h e que, mesmo assim, mantínhamos um tom de voz baixo). De repente, fomos surpreendidos por um tumulto na porta do apartamento. Vozes diziam que tinham chamado a polícia porque estávamos fazendo “macumba” dentro de casa. Como já estávamos de saída, abrimos a porta e fomos verbalmente agredidos, acuados e constrangidos pelos vizinhos Leonardo e sua esposa Daniele, que nos ofendeu na frente do casal de síndicos e algumas outras pessoas. Ele nos inquiriu exaltadamente, querendo saber o que estávamos fazendo dentro do apartamento. Sua esposa, também muito exaltada, nos chamou de macumbeiros, nos acusou de estar fazendo “ritual” e disse, aos gritos, que o casal Juliana e Thiago não eram bem-vindos no condomínio. Naquele instante, ficou claro para mim que estávamos sendo vítimas de preconceito racial e religioso. E a situação me pareceu tão fora de propósito, que o melhor mesmo seria aguardar a chegada da polícia para esclarecermos os fatos. Mas como era de se esperar, a polícia não apareceu. Imagino que nem foram acionados. O que pude constatar é que aquele casal, branco, que exalava a supremacia racial e desprovido do conhecimento histórico do nosso povo, quis ingenuamente nos amedrontar. Mas como não estávamos fazendo nada que não pudesse ser feito e carregamos conosco, além de boa índole, o conhecimento, fomos até a delegacia mais próxima e prestamos queixa contra o referido casal.
BASTA! Estou INDIGNADA com essa situação, não consigo conceber, que ainda hoje, possa existir pessoas com essa mentalidade arcaica e preconceituosa. Nós, candomblecistas, não queremos que nos TOLEREM, nós exigimos que nos RESPEITEM!
 “Macumbeiro”, “preto” e “pobre” são alguns termos pejorativos utilizados para designar os candomblecistas. Estamos estereotipados como a “religião dos excluídos”, é assim que está sedimentado na concepção popular.
Vale lembrar que, no Brasil, o preconceito racial sempre foi velado e, vergonhosamente, fomos o último país da América Latina a abolir a escravidão. E, guardadas as devidas proporções, e tendo vivenciado ainda ontem essa situação, não me convenci disto.
O Brasil recebeu uma grande população de escravos vindos de diversas regiões da costa africana, como os Angolas, os Bantos, os Nagôs, dentre outros.
Além de ser fundamental para base da nossa etnia, o povo africano contribuiu para construção das riquezas do país. Essa miscigenação promoveu uma considerável herança cultural que pode ser compreendida na religião, na gastronomia, na língua e na música.
Com todo esse legado, como o brasileiro pode renegar preconceituosamente o candomblé e todas as outras manifestações africanas senão por pura ignorância?
A falta de conhecimento limita o ser humano, impossibilitando a compreensão da mais simples questão. É fácil aceitar o que está convencionado, mas o que requer um pouco mais de exercício intelectual torna-se elemento desconhecido, gerando o preconceito.
Sendo assim, o mais aconselhável é acumular conhecimento, para passarmos adiante a importância das nossas raízes e antepassados, “pois renegar o negro e sua contribuição histórica é, sem dúvida, renegar a si próprio”.
E continuo afirmando: quem detém a informação, o conhecimento e o saber, detém o poder!

Muzenza Omimcydan.